Desconto hiperbólico e efeito magnitude nas decisões intertemporais? Evidências de uma survey com escolhas monetárias ([varies]). - Vol. 32 Núm. 84, Enero 2022 - Revista Innovar - Libros y Revistas - VLEX 899366385

Desconto hiperbólico e efeito magnitude nas decisões intertemporais? Evidências de uma survey com escolhas monetárias ([varies]).

AutorPereira, Antonio Gualberto

Introdução

Modelos de escolhas intertemporais são um ferramental básico para estudar decisões de consumo e poupança. Anomalias em tais modelos há muito são objeto de atenção (Strotz, 1955). Muramatsu e Fonseca (2008) apontam que preferências intertemporais enviesadas para o consumo presente caracterizam uma anomalia dos modelos de utilidade descontada constante (MUDC) e recebem a denominação de miopia, permitindo afirmar que indivíduos temporalmente míopes não consomem seus ativos de forma constante ao longo do tempo.

Os indivíduos que tomam algum tipo de decisão podem ser classificados como sofisticados ou ingênuos (O'Donoghue & Rabin, 1999; Agranov et al., 2015). No primeiro grupo, anteveem que terão problemas de autocontrole no futuro e tentam estabelecer, antecipadamente, mecanismos de ajustamento para a falha de autocontrole. Já os do segundo grupo não têm essa capacidade de previsão e estão mais sujeitos aos danos causados por falhas de autocontrole. A procrastinação, fenômeno associado à falta de autocontrole, caracteriza-se pela tendência a adiar tarefas desagradáveis, particularmente aquelas definidas como mais importantes e que envolvam montantes mais elevados. Assim, preferências temporalmente inconsistentes estão associadas às falhas de autocontrole e à procrastinação, anomalias dos MUDC.

Paralelamente, decisões intertemporais que envolvem montantes em dinheiro podem ser igualmente afetadas pelo efeito magnitude. Há um conjunto robusto de evidências empíricas de sua verificação, nas escolhas que envolvem valores monetários (Kettner & Waichman, 2016; Ericson & Laibson, 2019; Ericson & Noor, 2015). Os achados indicam que as pessoas descontam mais acentuadamente quantias menores, postergadas intertemporalmente, do que quantias menores igualmente postergadas.

Os estudos, em sua maioria experimentais, sobre escolhas intertemporais que envolvem recompensas monetárias, não são conclusivos (para melhor compreensão consultar Dohmen et al., 2017; Read & Roelofsma, 2003). Nesse sentido, embora haja evidências da ocorrência da taxa de desconto decrescente (hiperbólica), também há evidências que sugerem taxas constantes (exponencial) e de taxas crescentes (anti-hiperbólica). Tal ausência de consenso sugere a necessidade de estudos adicionais com amostras populacionais diferentes, com o desenho de outros modelos experimentais.

Com relação à abordagem metodológica, o presente trabalho avança em relação a estudos anteriores, visto que propõe uma survey com cenários do tipo horizonte alterado (shifted horizon design). Nessa disposição de escolhas, o desconto é calculado a partir de opções entre o momento presente e seis meses versus seis meses e doze meses, por exemplo. Conforme Dohmen et al. (2017), a maioria dos estudos conduzidos por psicólogos sobre taxa de desconto tem feito uso do desenho do tipo overlapping horizon, cujo desconto é definido entre hoje e seis meses versus hoje e doze meses. Este último desenho tem sido criticado por não permitir uma distinção entre taxa de desconto intrínseca e uma diminuição na utilidade marginal da recompensa.

Na tentativa de contribuir com a compreensão desse fenômeno, este artigo define as seguintes questões de pesquisa:

* há evidências de inconsistência intertemporal (1) em decisões que envolvem o recebimento de valores monetários?

* as pessoas estão sujeitas ao efeito magnitude em decisões intertemporais que envolvem o recebimento de valores monetários?

Corroborando, parcialmente, com estudos anteriores, os achados deste artigo registram a ocorrência da inconsistência temporal em decisões intertemporais e o efeito de variações nas quantias monetárias hipotéticas sobre a taxa de desconto dos participantes. Além disso, também foram identificadas altas taxas de descontos dos participantes, mesmo para indivíduos com alto grau de instrução e níveis elevados de renda.

Esta pesquisa traz contribuições para a literatura de várias formas, destacando-se: i) não se tem conhecimento de outros estudos que explorem inconsistência temporal e efeito magnitude, concomitantemente, a partir de uma survey; ii) o artigo expande a literatura existente porque explora a alocação de recursos em decisões intertemporais que envolvem montante de diferentes magnitudes; iii) a pesquisa avança com relação a trabalhos anteriores, pois, até onde se tem conhecimento, está entre os poucos a utilizar um modelo smaller sooner (SS) versus larger later (LL) e características demográficas dos participantes no contexto brasileiro; iv) dado que os resultados das pesquisas sobre inconsistência temporal e o efeito magnitude em decisões intertemporais têm se mostrado inconclusivos, os achados deste artigo suscitam questionamentos adicionais sobre a taxa de desconto hiperbólica, ao passo que ampliam as evidências do efeito do tamanho do montante em decisões intertemporais que envolvem alocação de recursos monetários hipotéticos.

Em termos de contribuições práticas derivadas dos achados da pesquisa, merecem destaque as possíveis intervenções para reduzir os efeitos negativos da inconsistência temporal e da perda de autocontrole. Por exemplo, ações de formação em educação financeira ou inserção de nudges para minimizar ou evitar escolhas financeiras com resultados danosos, tais como poupança ou consumo excessivos ou endividamento das famílias. De forma particular, trabalhadores com alta escolaridade e renda acima da média brasileira teriam possibilidade de tomar decisões de consumo ou poupança como indivíduos sofisticados (Agranov et al., 2015; O'Donoghue & Rabin, 1999), estabelecendo gatilhos capazes de minimizar perdas potenciais derivadas de comportamentos de impaciência. Isso ocorreria inclusive no que se refere ao custo ou ao ganho marginais de recompensas ou perdas com diferentes montantes.

Além desta introdução, o artigo é composto por uma revisão da literatura sobre taxa de desconto em escolhas intertemporais de longo prazo, na segunda seção. Na terceira seção, são descritos os procedimentos metodológicos e, na quarta e quinta seções, são apresentados os resultados e as conclusões da pesquisa, respectivamente.

Taxa de desconto e escolhas intertemporais de longo prazo

A taxa de desconto intertemporal dos indivíduos pode estar associada a características comportamentais e a traços pessoais, tais como idade, capacidade cognitiva, comportamento perante o risco, cultura e até mesmo saúde. O trabalho de Wang et al. (2016) mostra que há diferenças expressivas na amostra de 53 países estudados. Elementos como score de crédito e inovação podem desempenhar papel importante. Os achados sobre a possível relação entre gênero e taxa de desconto intertemporal não são conclusivos. Shavit et al. (2014), ao analisarem a influência de uma atividade arriscada não encontraram relação entre essas variáveis, enquanto Dittrich e Leipold (2014) encontraram que os homens apresentam taxas de desconto mais altas que as mulheres. Mais recentemente, ao analisarem os idosos, Huffman et al. (2017) apresentaram evidências de que a taxa de desconto cresce com a idade e é mais elevada para indivíduos não brancos e menos escolarizados. De forma similar, Simon et al. (2015) mostram que taxas de desconto mais elevadas estão associadas a menores níveis de poupança e maiores dificuldades financeiras.

Diversos estudos têm sido desenvolvidos com o intuito de melhor compreender o comportamento em escolhas intertemporais e a taxa de desconto usada pelos indivíduos. A Tabela 1 apresenta três desses trabalhos. Os experimentos utilizam diversos tratamentos experimentais tais como participação em programa de educação financeira, diversas condições experimentais de framing e exposição a ganhos nominais do ativo de risco.

Quando se aborda a taxa de desconto temporal, destaca-se que o método de mensuração da taxa de desconto tem impacto sobre a taxa de desconto captada. Os mais comuns são o método de escolhas e o método de correspondência (matching method).

Métodos baseados em escolhas geralmente apresentam aos participantes uma série de comparações binárias e as utilizam para inferir o ponto de indiferença, que é convertido na taxa de desconto. Por exemplo, um participante pode escolher entre receber $ 10 imediatamente ou

$ 11 em um ano, e ele escolhe a opção imediata. Subsequentemente, ele deve decidir entre $ 10 imediatamente ou $12 em um ano, e ele escolhe a opção futura. Esse padrão de escolha implica que o participante seria indiferente entre $ 10 hoje e $ 11,50 em um ano. Este ponto de indiferença pode ser convertido em uma taxa de desconto que utiliza diferentes modelos. Por exemplo, com o modelo exponencial, a taxa de desconto é de 14%. O método de correspondência (matching method), em contraste, solicita o ponto de indiferença diretamente. Assim, pode ser solicitado que o participante indique a quantia "X" que seria indiferente, para ele, entre receber $ 10 imediatamente e receber a referida quantia "X" em um ano (Hardisty et al. 2011).

Efeito magnitude

O "efeito magnitude", anomalia registrada em escolhas intertemporais, é caracterizado por taxas de desconto menores para valores grandes, quando comparados a valores pequenos. Como sumarizam Cohen et al. (2016), há um expressivo conjunto de evidências na literatura. Uma das primeiras é dada por Thaler (1981), que mostrou que os indivíduos são indiferentes entre $ 15 imediatamente e $ 60 em um ano, correspondendo a uma taxa de desconto anual de 300%, mas também são indiferentes entre $ 3.000 agora e $ 4.000 em um ano, representando uma taxa de desconto anual de 33%.

Uma das explicações para o efeito magnitude é a contabilidade mental (Andreoni et al., 2018; Camargo et al., 2015; Shefrin & Thaler, 1988). Nesse caso, os indivíduos separam o dinheiro em contas mentais distintas: as grandes quantias são separadas para investimentos e não são gastas imediatamente, ainda que tenham sido recebidas naquele momento. Em contrapartida, pequenos ganhos inesperados são utilizados, geralmente, para...

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