Neoliberalismo controlado: formacao e desenvolvimento do sistema bancario-financeiro chines/Neoliberalismo controlado: formaci - Vol. 32 Núm. 1, Enero 2020 - Revista Desafíos - Libros y Revistas - VLEX 842511644

Neoliberalismo controlado: formacao e desenvolvimento do sistema bancario-financeiro chines/Neoliberalismo controlado: formaci

AutorDe Carvalho, Pedro Henrique Neves
Páginas1I(35)

Introdução

A Asia, na contemporaneidade, se transformou em um espaço de maior importância para o capitalismo no sistema internacional. Uma importância que se atrelou ao dinamismo da economia japonesa em um passado recente e ao papel dos tigres asiáticos para os investimentos ocidentais. Mas desde o final da década de 1970 tem-se materializado por meio das transformações sociais-produtivas na China.

Acerca da China, com as atenções voltadas para o espaço social produtivo da mainland, há quatro décadas o governo operou uma ordem de transformações econômicas por meio da parte executiva do conselho de estado. Essas transformações deram espaço para uma construção sui generis em sua alçada financeiro-produtiva, a qual tem sido aperfeiçoada desde os primeiros anos da década de 1990 e, em função das suas evoluções práticas, passou a gerar desdobramentos em regiões, antes pouco próximas à China no trânsito financeiro/bancário, como a Africa e a América do Sul.

A relação financeira da China com outras regiões se expandiu quatro anos após a aproximação à OMC, o que hoje nos permite enxergar um processo programado de internacionalização da estrutura bancário-financeira do Estado que, apesar de recente, tem gerado grandes efeitos dentro e fora da China. (1) É um capital que hoje tem vagado por outros continentes com diversas roupagens, como: o investimento externo direto das empresas chinesas que logram plantas produtivas, como as automobilísticas e as empresas de telefonia/comunicação; os empréstimos para o investimento em infraestrutura, que se garantem por meio dos recursos naturais da região; as recentes swaps de câmbio que internacionalizam o RMB por meio de uma cooperação entre bancos centrais.

A partir dessas observações, objetiva-se expor a organização do sistema bancário-financeiro da China, a partir da sua recente criação e do seu desenvolvimento. E esse exercício de retomada do processo de transformação bancário-financeiro permitirá expor a natureza das atualizações comerciais que sustentaram a internacionalização em soma ao projeto going out (2) chinês. Projeto que foi apresentado pelo governo na aurora dos acordos da OMC e que permanece na atualidade. Seguindo este propósito, o estudo sustenta a argumentação sobre uma prática financeira neoliberal controlada, por apontar em paralelo o desenvolvimento do sistema bancário-financeiro da China com as práticas das finanças internacionais consolidadas pelas forças econômico-políticas neoliberais no ocidente. Esse argumento é uma bússola para um primeiro exercício de compreensão sobre as finanças na China a partir da compreensão de um trato neoliberal.

O neoliberalismo e a economia chinesa são objetos que causam estranhamento. Logo, não se presume uma afirmação sobre uma condição neoliberal chinesa tal como uma ordem neoliberal britânica, estadunidense ou francesa. Mas almeja-se avaliar a proximidade entre as condições da prática financeira neoliberal e a organização do capitalismo chinês por meio da sua estrutura bancária. Por certo, o termo neoliberalismo trabalhado por este artigo caminha de encontro às discussões de Harvey (2011, 2006). A despeito deste fenômeno não representar uma condição homogênea no tempo e no espaço, seguir as orientações de Harvey implica em apontar para a constituição de uma agenda política, ou melhor, um projeto político enraizado nas transformações político-econômicas da década de 1970 que ampliaram as condições para a circulação do crédito, assim como determinou os meios para um processo de acumulação orientado pelo endividamento. Harvey afirma que o neoliberalismo surge como uma resposta às instabilidades vividas na década de 1960-1970 e que, conforme sugere Taylor (2010), corresponde a um programa de transformação institucional que leva as relações de mercado como condição imperativa para a organização da sociedade. Contudo, se soma à consideração de Harvey o que aponta Brown (2015) sobre o neoliberalismo. A despeito da sua observação ser debruçada sobre as democracias ocidentais, a autora informa que há um processo que converte as razões políticas constitutivas das ações democráticas em uma razão econômica a orientar, ou melhor, a minar os espaços democráticos. Essa complementariedade apresentada por Brown segue um argumento mais amplo, o qual resume à economicização das escolhas, dos costumes, das tradições, da política como ponto fulcral da orientação neoliberal. E a despeito dessa razão neoliberal ser a condição ontológica de orientação das escolhas na contemporaneidade, há indícios de uma era de transformações orientadas pelas instabilidades criadas pela conexão neoliberal atualmente. Em resumo, a condição material-histórica de Harvey e as colocações sociológicas de Brown constituem observações sobre um mesmo fenómeno e discutem a necessidade em orientar as escolhas políticas a partir de um ponto de vista económico e financeiro. Enquanto Harvey afirma que o sincronismo geográfico neoliberal assiste às necessidades imanentes para a ampliação do capital financeiro, Brown observa como essa condição material histórica passa a ressignificar os diversos níveis institucionais de uma sociedade.

Agora, um entendimento sobre o shadow bank system chinês segue a observação sobre as transformações neoliberais que sustentam esse artigo. E em termos práticos, essa discussão passa pela relação entre China Development Bank (CDB), OS investimentos em infraestrutura e os créditos podres do sistema bancário chinês. Essa tríade pode apontar para uma aparente contraditória aproximação entre o neoliberalismo e as finanças na China. Para tanto, observa-se um neoliberalismo controlado a partir do desenvolvimento bancário-financeiro chinês concernente à evolução do shadow banking system como uma variável dependente do modo social-produtivo neoliberal no ocidente, e a observação dos principais órgãos financeiros internacionais sobre este sistema; em segundo lugar se explorará a evolução do sistema bancário-financeiro chinês; e, por fim, explora-se o papel do CDB como uma variável dependente das inovações financeiras para a gestão dos créditos podres, ou créditos perdidos, em um processo de reciclagem financeira que permite observar uma parte de um neoliberalismo controlado dentro do capitalismo chinês.

Shadow banking system

Shadow Banking System (SBS) é um termo novo e há pouco reconhecido pelas organizações financeiras internacionais. É pouco monitorado e observado por instituições reguladoras, por grupos organizados na sociedade civil e por instituições privadas. Mas dada a sua importância para os Estados, presume-se que a estes atores internacionais o SBS tem prestado um papel interessante para o seu fortalecimento.

As razões de interesse sobre o SBS ganham força após a crise financeira de 2008-2009. Um momento que se expõe a inexistência de controle sobre as práticas variadas na intermediação financeira. Apesar de ser pensado como uma categoria pejorativa para as finanças em razão dos riscos atribuídos às práticas vinculadas aos produtos desta categoria bancária, o SBS é um resultado direto das inovações financeiras desde a década de 1970, momento no qual as atividades financeiras neoliberais passaram a constituir uma rede global de investimentos. Ou mais, uma condição social-produtiva que passara a ser ensaiada e transnacionalizada por meio das nações ocidentais.

Um dos principais temas que norteia o SBS é o seu tamanho diante da economia real, afirmando que as principais economias têm contribuído para o desenvolvimento de uma ampla rede de expansão creditícia e de investimentos, que vem a superar a estrutura real da economia produtiva mundial. O primeiro documento do Financial Stability Board (FSB) sobre o tema, apresentou os seguintes dizeres: "The 'shadow banking system' can broadly be described as "credit intermediation involving entities and activities outside the regular banking system" (FSB, 2011, p. 1). Na mesma linha, o FMI define o SBS como "credit intermediation outside the conventional banking system, constitutes about one-fourth of total financial intermediation worldwide" (IMF, 2014, p. 65).

A partir da crise de 2009 o SBS ganhou espaço nos meios da mídia e da sociedade civil, dados os efeitos observados do frenesi financeiro nos Estados Unidos da América. O espaço midiático criou uma alcunha pejorativa para esse sistema bancário, determinando-o como a condição prismática da turbulência vivida naquele momento. Entretanto, tanto para o Estado estadunidense, quanto para o Estado chinês o SBS é uma ferramenta alternativa relevante para o crédito, pois gera uma condição de oferta atrelada a produtos financeiros em condições não encontradas no mercado bancário tradicional, o que permite a oferta de condições de juros atrativas em condição inversa ao risco. Entretanto, a condição da oferta do SBS coloca o caso chinês com maior destaque em função do papel dos grandes bancos comerciais e da política de crédito que orienta a maior parte dos empréstimos para as empresas estatais chinesas (Liansheng, 2015; Luo, 2016).

Neste exercício de compreensão é preciso avançar para pensar como um espaço social-produtivo que desenha uma linha tênue entre o crédito e os valores a uma indução econômica sadia ao lado do caos creditício ampliado por mecanismos de securitização. Por certo o SBS é uma alternativa ao sistema bancário da superfície financeira vista e controlada. Conforme o relatório de monitoramento do FSB de 2014 sobre 26 economias mundiais (desenvolvidas e em desenvolvimento) o SBS alcançou o valor especulado de 35.9 trilhões de dólares, ao representar 59 % do PIB absoluto das nações avaliadas (FSB, 2014). (3) Por sua vez, o FMI apontou que o elevado crescimento do SBS em proporção sobre o PIB formara o principal sinal de expansão do risco sobre os investimentos no palco internacional. Entre 2002 e 2012, por exemplo, o SBS passou de 6 % para 35 % sobre o PIB global, enquanto os ativos bancários alcançaram 70 % do PIB global no mesmo...

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