Subjetividade em megaprojetos: uma estrutura para apoiar o processo de avalia - Vol. 31 Núm. 81, Julio 2021 - Revista Innovar - Libros y Revistas - VLEX 879236358

Subjetividade em megaprojetos: uma estrutura para apoiar o processo de avalia

Autorda Silva, Barbara Santana
CargoGesti

Introdução

Conforme evidenciam os estudos de Van der Ploeg e Vanclay (2017) e Van Alstine e Afionis (2013), as empresas extrativistas de grande porte não têm sido eficientes na mitigação de impactos sociais e ambientais provenientes de suas atividades interventivas, sobretudo para a restauração dos meios de vida das comunidades locais e dos grupos vulneráveis.

Megaprojetos são considerados empreendimentos de alta complexidade, de grande escala, com duração prolongada e custo acima de 1 bilhão de dólares, e geram transformações definitivas na região de sua implementação (Flyvbjerg, 2014; Othman, 2014; Freitas, 2016).

Para além das implicações para o meio ambiente e para as comunidades vulneráveis, esses impactos geram prejuízos financeiros e de reputação para as empresas (Franks et al., 2014) que se veem "sujeitas às mudanças nos valores e ideologias da sociedade e às pressões do ambiente externo à organização, que acabam por influenciar seu desempenho no mercado" (Abreu et al., 2004).

Em termos de práticas organizacionais, o gerenciamento de riscos diz respeito a um conjunto de abordagens, metodologias e boas práticas que buscam reduzir ou amortecer essas incertezas por meio da atuação preventiva e com o intuito de gerar valor para as partes interessadas (Risk Management Research and Development Program Collaboration [RMRDPC], 2002; ISO 31000, 2009; Committee of Sponsoring Organizations of Treadway Commission [Coso], 2007; Fortes, 2011; Makarova, 2014).

As avaliações de riscos (social, técnico, econômico-financeiro, ambiental e político ou legal) nas operações de uma empresa compõem o diversificado espectro do gerenciamento de riscos e são mecanismos importantes para o fortalecimento dos processos decisórios, diligência (due diligence) e para a redução de riscos de negócio (Esteves et al., 2012; Graetz & Franks, 2013).

A gestão de riscos sociais tem sido gradativamente introduzida na agenda das empresas, uma vez que os impactos sociais gerados pelas atividades do negócio "tornaram-se aparentes para indivíduos, comunidades, agências reguladoras e sociedade civil" (Graetz & Franks, 2013, p. 97).

Porém, a gestão do risco evoluiu de forma heterogênea enquanto área do conhecimento. Observa-se que, na maioria das organizações, a gestão de risco é fragmentada, "com pouca comunicação entre aqueles que diagnosticam o risco e aqueles que tomam as decisões com base nesses diagnósticos" (Damodaran, 2008, p. 373).

Soma-se a isso o fato de que o julgamento humano, apesar de relevante e inerente em avaliações profissionais, interfere na precisão do resultado da análise e pode gerar erros sistemáticos e vieses na avaliação de riscos (Tversky & Kahneman, 1974; Slovic, 1987; Hillson & Murray-Webster, 2007; Feitosa et al., 2014; Freitas, 2013; Newell, 2013; Sousa, 2017). A comunicação eficiente, o engajamento das partes interessadas e a efetividade da gestão de riscos podem contribuir fortemente para o sucesso do projeto (Vezzoni et al., 2013).

Os métodos de mitigação de risco fundamentados de maneira superficial, a partir das distorções que particularidades individuais dos avaliadores podem gerar, tendem a ser pouco efetivos. Isso é percebido nas tomadas de decisões equivocadas, levando ao desperdício no uso dos recursos. Assim, um efeito contrário à redução ou à eliminação do risco é encontrado (Hubbard, 2009). A esse respeito, assevera-se que "se não formos capazes de compreender a maneira como as pessoas veem o risco, gerenciaremos mal o risco e faremos um mau cálculo de seu valor" (Damodaran, 2008, p. 51).

Em especial na indústria de energia, mais especificamente em empresas extrativistas, geradoras de impactos significativos, uma análise minuciosa do risco possibilita a atuação proativa e direcionada da empresa, o que amorteceria o impacto do risco social. Consequentemente, racionaliza-se o custo de capital, com relevantes contribuições à reputação corporativa.

Considerando-se o contexto de incertezas no negócio, os especialistas em risco devem ser profissionais habilitados para o fornecimento de pareceres tecnicamente embasados, com vistas a amparar as decisões corporativas. Por sua vez, é importante considerar que esses profissionais contam com distintas trajetórias formativas, experiências práticas e crenças, fatores diretamente associados à incorporação de percepções individuais de mundo que podem interferir (positiva ou negativamente) na precisão dessa análise.

No sentido de oferecer um entendimento mais aprofundado sobre a supracitada problemática, neste estudo, propõe-se a investigar a possibilidade da interferência da subjetividade em reuniões de avaliação de riscos sociais, a partir de entrevistas com membros de uma comissão de avaliadores de riscos sociais de projetos de engenharia de uma empresa brasileira de energia. A comissão de avaliadores foi formada a partir da indicação feita pelos seus gerentes imediatos, sendo composta por profissionais com distintos níveis hierárquicos, formações e experiências, de diversas áreas de atuação no projeto, como recursos humanos, construção e montagem, planejamento e controle, comunicação e de responsabilidade social de forma a oferecer uma cobertura plural do objeto a ser analisado.

Os megaprojetos sobre os quais foram feitas avaliações de riscos sociais em 2014 e 2015 consistem em iniciativas da área de engenharia para a construção e a montagem de estruturas de produção e escoamento de uma empresa de energia de grande porte brasileira, numa ordem de grandeza de 1 bilhão de dólares. Dada a natureza pretérita do objeto estudado, a pesquisa é caracterizada como ex-post, conforme será descrito na seção de metodologia.

Esses projetos foram produzidos para atenderem à demanda de produção de combustível fóssil e que tinham uma área de influência de 26 municípios brasileiros. Tendo em vista a característica offshore da atividade para à atividade de produção de combustível fóssil, os quais as referidas iniciativas foram contratadas, trata-se de empreendimentos com potencial para impactar diretamente comunidades pesqueiras, além do bioma marinho. Considerando a complexidade desses projetos, a empresa estudada contratou empresas do setor de engenharia e construção para a execução desses projetos, denominadas, neste estudo, "contratadas".

Ao longo do estudo, são perseguidas respostas às seguintes questões: quais são os principais fatores que interferem na incorporação da subjetividade e do julgamento humanos nas avaliações de riscos sociais nos projetos estudados? A valoração atribuída à atividade de avaliação de riscos sociais é distinta entre os profissionais participantes das reuniões?

Revisão da literatura

Gerenciamento de riscos

O gerenciamento de riscos consiste em um processo proativo de planejamento, identificação, avaliação, elaboração de plano de resposta e monitoramento de eventos futuros (RMRDPC, 2002; Fortes, 2011) com o objetivo de transformar a incerteza incontrolável em um risco mensurável, com vistas a maximizar o retorno sobre o capital (Makarova, 2014).

A premissa inerente ao gerenciamento de riscos corporativos é que toda organização existe para gerar valor às partes interessadas. Todas as organizações enfrentam incertezas, e o desafio de seus administradores é determinar até que ponto aceitar essa incerteza, assim como definir como essa incerteza pode interferir no esforço para gerar valor às partes interessadas. Incertezas representam riscos e oportunidades, com potencial para destruir ou agregar valor. O gerenciamento de riscos corporativos possibilita aos administradores tratar com eficácia as incertezas, bem como os riscos e as oportunidades a elas associadas, a fim de melhorar a capacidade de gerar valor. (Coso, 2007, p. 3) O processo de gerenciamento de riscos "quantifica as consequências dos riscos em função do impacto que terão sobre os objetivos do projeto. A saída deste processo é um risco que pode ser aceitável ou inaceitável" (Pedroso, 2007, p. 29). Em complemento, o sucesso do gerenciamento de riscos vai além da identificação dos riscos em si, contudo a busca das causas desses riscos pode melhorar a eficácia do tratamento deles (Smith & Merritt, 2002).

Riscos sociais

Entre as diversas tipologias de riscos observadas na literatura, uma em especial versa sobre o risco social. Essa tipologia de risco tem sido discutida no âmbito corporativo para o enfrentamento dos desafios de seus projetos de investimento (Bekefi et al., 2006; Zavadskas et al., 2010; Esteves et al, 2012; Graetz & Franks, 2016; Liu et al, 2016).

A literatura acadêmica apresenta um conceito difuso para "risco social". A expressão é multidisciplinar, ou seja, é abordada em diferentes campos do conhecimento, como Sociologia, Antropologia, Economia, Ciência Política, e tem definições diferentes em cada uma dessas disciplinas (Graetz & Franks, 2016; Liu et al., 2016). Compreende "desde desastres naturais, ameaças tecnológicas, condições de trabalho, impactos na saúde ambiental, criminalidade, terrorismo e poluição até atividades de lazer" (Renn, 2008, p. 50).

Dessa forma, observam-se, na literatura, assimetrias de entendimento entre os distintos campos de conhecimento que abordam o risco social, em especial sob a perspectiva de megaprojetos empresariais, notadamente de infraestrutura. Entre as diversas conotações da expressão, a título de exemplo, na Economia, "risco social" é visto como vulnerabilidade gerada pela pobreza (Holzmann & Jorgensen, 1999) e, na Medicina, como fatores de risco à saúde do indivíduo (Caleyachetty et al, 2014).

O risco social, sob a perspectiva empresarial, é definido a partir de ações das empresas em suas operações que geram vulnerabilidades para as partes interessadas que se voltam contra a empresa, pressionando por mudanças comportamentais e gerando danos financeiros e de reputação (Joyce & Thomson, 2000; Kytle & Ruggie, 2005; Bekefi et al, 2006; Franks, 2011).

O risco social para as corporações é definido como:

Desafios lançados pelas partes...

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