A 'Corrupção' do Sistema Penal: o caso brasileiro
Autor | Ana Paula Repolês Torres - Francisco de Castilho Prates |
Cargo | Bacharela e Mestre em Direito (UFMG) - Bacharel e Mestre em Direito (UFMG) |
Páginas | 49-66 |
A “Corrupção” do Sistema Penal:
o caso brasileiro*
Recibido: 07 de febrero de 2012 - Revisado: 14 de marzo de 2012 - Aceptado: 20 de agosto de 2012
La “corrupción” del Sistema Penal: el caso brasileño
The “corruption” of the Criminal System: the Brazilian case
Civilizar 12 (23): 49-66, julio-diciembre de 2012
* O presente artigo foi desenvolvido
a partir de uma pesquisa realizada na
Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais em 1999,
com nanciamento do CNPQ – Con-
selho Nacional de Desenvolvimento
Cientíco e Tecnológico.
** Bacharela e Mestre em Direi-
to (UFMG), Doutora em Filosoa
(UFMG), Pós-Doutoranda em Filosoa
(UFMG), Pesquisadora do Observató-
rio da Justiça Brasileira, Bolsista da Ca-
pes (Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Ensino Superior).
Correo electrónico
anarepoles@yahoo.com.br
*** Bacharel e Mestre em Direito
(UFMG), Doutorando em Direito
(UFMG), Bolsista da Capes (Coorde-
nação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Ensino Superior).
Correo electrónico:
castilho_2011@yahoo.com.br
Ana Paula Repolês Torres**
Francisco de Castilho Prates***
Resumo
Buscamos, no presente artigo, a partir de uma análise sociológica do direito
penal, reetir sobre como a exclusão social inui na própria conguração do
crime e do criminoso. A nossa hipótese, baseada na Teoria dos Sistemas de
Niklas Luhmann, é que existe, principalmente nas denominadas “periferias”
da modernidade, uma “corrupção” do sistema penal, na medida em que o mes-
mo opera com distinções que lhe são estranhas, incluindo somente pessoas
excluídas dos demais sub-sistemas sociais. Baseamos a pesquisa em dados
ociais sobre o sistema penitenciário e penal brasileiro, dados este que corro-
boram as impressões derivadas da pesquisa de campo.
Palavras-chave
Comportamento divergente, Exclusão social, Teoria dos Sistemas.
Abstract
We seek, in this article, from a sociological analysis of criminal law, to reect
on how social exclusion inuences the very conguration of the crime and the
criminal. Our hypothesis, based on the Systems Theory of Niklas Luhmann,
is that there is, especially in the so-called “periphery” of modernity, a ‘corrup-
tion’ of the criminal system, in that it operates with distinctions that are alien to
it, including only people who are excluded from other social sub-systems. We
base the research on ofcial data on the Brazilian criminal and penitentiary
system, these data corroborating the impressions derived from eld research.
Key words
Deviant behavior, Social exclusion, Systems Theory.
50 AnA PAulA RePolês ToRRes - FRAncisco de cAsTilho PRATes
Civilizar 12 (23): 49-66, julio-diciembre de 2012
Mantém-se o fato de que o limite entre
inclusão e exclusão é um limite fortemen-
te delimitado. As redes de exclusão obs-
curecem a visibilidade das pessoas; inte-
rrompem a comunicação; impedem toda
forma de expectativa positiva recíproca.
Os excluídos são percebidos como uma
massa indistinta, de frente à qual sente-
se principalmente medo: medo de violên-
cia, medo físico não comunicativo. Per-
cebe-se o perigo por si e não o risco de
uma expectativa que pode ser frustrada.
A humanidade dos excluídos permanece
visível nas investigações dos antropólo-
gos, nas fotos ou nas lmadoras de quem
vai observá-los de perto. Mas ca uma
humanidade que se oferece à percepção,
não à comunicação. Os excluídos perma-
necem excluídos também depois de que
se sabe que existem e também depois de
haver visto a cara que possuem.
Giancarlo Corsi
Introdução
Muitas são as críticas ao direito penal rea-
lizadas ultimamente, chegando algumas teorias
a negar qualquer legitimidade a tal sistema. Os
abolicionistas, como Louck Hulsman e Jac-
queline Bernat de Celis (1993), numa posição
radical, mas utópica para a realidade na qual vi-
vemos, chegam a apregoar a necessidade de eli-
minação do direito penal, acreditando poderem
ser os conitos resolvidos de maneira informal.
Os minimalistas, como, por exemplo, Alessan-
dro Baratta (1993) e Eugênio Raul Zaffaroni
(1993), negam legitimidade ao sistema penal e,
ao mesmo tempo, defendem a continuidade de
um direito penal mínimo e garantidor.
Apresentando uma crítica aos abolicio-
nistas, podemos nos lembrar dos movimentos
feministas, que veem o direito penal como ga-
rantia de direitos historicamente conquistados.
De fato, a inserção no direito das aspirações fe-
ministas contribuiu para que a máxima “em bri-
ga de marido e mulher ninguém mete a colher”
fosse questionada. É a esfera informal que man-
tém a cultura machista, servindo a inserção da
discussão de gênero no sistema jurídico como
um instrumento de combate à subordinação da
mulher em relação ao homem.
Essa incompatibilidade entre os abolicio-
nistas e os movimentos feministas serve para
mostrar os limites dos primeiros, que só enxer-
gam os defeitos do sistema penal, sem atentar
para a funcionalidade do mesmo. Os minima-
listas conseguem ver a necessidade de existên-
cia do direito penal para a garantia de direitos,
apesar das disfunções apresentadas pelo mes-
mo, por isso não incentivam sua extinção, mas
também não justicam sua existência.
Cabe, então, pensar o sistema penal bra-
sileiro, cientes dessa disputa entre abolicionistas
e minimalistas, disputa esta na qual só podería-
mos nos posicionar conhecendo a nossa própria
realidade, o modo como opera e é aplicado o
direito penal em nosso país. Partindo então de
uma análise sociológica do direito penal, busca-
mos reetir sobre os paradoxos do sistema penal
brasileiro, tentando compreender o papel da ex-
clusão social na conguração da criminalidade.
Problema da investigação
A pesquisa teve como objetivo analisar se
o sistema penal brasileiro atua de forma seleti-
va, só incluindo pessoas excluídas dos demais
sistemas sociais, o que poderia provocar uma
des-diferenciação do sistema jurídico, na medi-
da em o mesmo operaria com códigos que não
lhe pertencem, como o da economia, o que po-
deria acabar por fazer com que ninguém mais
acreditasse na normatividade das expectativas
generalizadas. Buscamos, portanto, observar
a realidade da execução penal brasileira, sem-
pre apontando os paradoxos apresentados pelo
sistema jurídico e os meios que este encontrou
para lidar com os mesmos.
Partindo da concepção de que o crime
é um fenômeno social normal, criado e ca-
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