Por que inexistem deveres absolutos de punir
Autor | Luís Greco |
Cargo del Autor | Catedrático de la Universidad Humboldt de Berlín, Alemania |
Páginas | 89-104 |
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POR QUE INEXISTEM DEVERES
ABSOLUTOS DE PUNIR
Luís Greco
Catedrático de la Universidad Humboldt de Berlín, Alemania
introdução
Verifica-se, no moderno Direito penal internacional, amplo
consenso sobre a existência de um dever de punir graves vio-
lações de direitos humanos. Não tão uniforme, mas bastante
difundida é também uma opinião a respeito da qualidade desse
dever: não se trataria de um dever condicionado, tampouco
prima facie, e sim de um dever absoluto. Em nome desse dever
absoluto caíram as barreiras da soberania e da prescrição; agora
são criticados a anistia e os acordos de paz. O slogan em que
se baseia essa crítica é a chamada luta contra a impunidade.
Objeto de minhas reflexões serão esses afirmados deveres ab-
solutos de punir; tentarei demonstrar por que eles inexistem.
Procederei em três etapas. Após estabelecer, numa breve
primeira etapa, precisões conceituais (abaixo II), ocupar-me-
ei dos argumentos em favor de um dever absoluto de punir
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(abaixo III). Aqui, demonstrarei que nenhum desses argumen-
tos logra convencer. Numa terceira etapa, tentarei provar que
nenhum argumento em favor de um absoluto de punir é sequer
imaginável, já por razões que dizem respeito à estrutura dos
deveres em questão (abaixo IV).
1. considerações conceituais
Parece-me aconselhável definir alguns conceitos de que reco-
rrentemente me valerei nas presentes reflexões, cujo objeto é a
existência de deveres absolutos de punir. Não definirei pena,1
nem dever, mas tão somente a qualidade de “absoluto” de
um dever. Essa qualidade tem um duplo sentido: ela pode ser
entendida, a uma, como contraposta à qualidade de “condi-
cionado”, e, a duas, como contraposta à qualidade de “prima
facie” ou “derrotável” (defeasable).
A primeira contraposição —absoluto como contrário de
condicionado— significa que defenderia um dever absoluto
de punir aquilo que entender que, sempre que ocorrer uma
grave violação de direitos humanos, surgirá um dever de punir.
Esse dever é incondicionado, no sentido de que a existência de
uma grave violação de direitos humanos é condição suficiente
para o surgimento do dever de punir. Um dever condicionado
sequer surge se não se der a condição. Se ela, contudo, surge,
nada mais é necessário para que se afirme o dever.
A segunda contraposição —absoluto como contrário de prima
facie ou derrotável— se explica da seguinte forma. Prima facie
ou derrotável (defeasable) é um dever que pode ser superado
por considerações contrapostas. Absoluto ou cogente é, por
sua vez, um dever impassível de superação por qualquer outra
consideração. Enquanto o dever incondicionado sequer surge
1 Sobre essa definição, extensamente, Greco, Strafprozesstheorie und mate-
rielle Rechtskraft, 2015, p. 640 e ss.
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